background

Resenha

Rir com os olhos

Image-(12)Uns apenas ilustram anedotas e necessitam de longo texto para explicar a falta de graça do desenho. Outros usam só o traço, mas fazem deste tanta economia que a gente fica na mesma e com cara de quem foi roubado. E há também aqueles que partem direto para o profundo e querem resolver o problema da existência em um simples cartum. São os terríveis donos da verdade, que procuram pelos nas cascas do ovo e discutem o sexo dos anjos.

Nelson Coletti, a meu ver, se apresenta com pureza e simplicidade, pondo a serviço de sua expressão apenas o forte talento do desenho e o agudo senso do ridículo. Não pretende ele que a gente ria com a alma, com a inteligência ou gargalhe com todo o corpo. Fica satisfeito se você apenas rir com os olhos. E mais contente se sentirá ainda se você for milhões. Daí a felicidade de sua comunicação. Para ele, humor não é charada: ou se percebe à primeira vista ou o cartum está errado.

Outro ponto a destacar em sua obra é a ausência de uma constante temática. Tudo, em todos os momentos, surge como matéria-prima para ser glosada. Um simples acidente, uma pequena distorção ou inversão da realidade, um absurdo bastam para Coletti criar um cartum. Seu humor, por isso, tem muito de libertação. Explico: surgem em seus desenhos, com frequência, coisas que a gente gostaria de fazer para contrariar a realidade. E esta é a fantasia da criança e do poeta e do muito que, sem sabermos, há em todos nós de criança e de poeta. Nosso hábito de vivermos bitolados dentro dos conceitos e regras do viver impede que vejamos o ridículo da maioria de nossos comportamentos. Coletti, como artista de verdade, consegue ver isso com nitidez e traduzir em termos de desenho.

Quanto ao traço, me parece que tem grande fluência, é rápido e ágil, diz muito com pouco, sintetiza com graça inteligente as situações e os personagens e, sobretudo, obedece a uma sensível disciplina formal. E isso é muito.

O resto é questão de disponibilidade: comece a olhar estes cartuns sem nenhuma ideia preconcebida. Entre neles com pureza e simplicidade, sem esperar nada, e garanto que será recompensado.

 

Nelson Coelho, escritor