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Depoimentos

José Roberto Leonel Barreto

 “Nelson Coletti, da intuição à execução colorida

Na adolescência fez exercícios, são desenhos a lápis e algumas inserções no nanquim preto; e a intuição autodidática e provavelmente o talento atávico para a manifestação artística visual e o universo da representação e da figuração. Da representação, conhecemos suas paisagens verdejantes e cheias de vida, as quais o acompanham até nossos dias com seu lirismo aparente; e, da figuração, estão afirmadas as casinhas (perspectivamente distantes), montanhas e até algumas imagens humanas dentro do retrato.

Nelson Coletti nasceu em Monte Aprazível, SP (1935), e já na adolescência na Capital (SP), envolve-se com o mundo das comunicações da época – jornais, revistas, publicações literárias de grande relevância profissional, tais como: Diários Associados, Folha de S.Paulo, Última Hora, revistas Quatro Rodas, Visão, Casa & Jardim e muitos outros, graças ao grande talento herdado de seus ancestrais italianos. Então, tornou-se desenhista, ilustrador, executor de capas de ilustrações de livros, inclusive para nomes históricos como Pablo Neruda, Thomas Mann, John Steinbeck e alguns brasileiros.

Já adulto nota-se próximo a jornalistas, editoras, críticos de arte e artistas mais velhos e de sua geração… E a obra intuitiva torna-se visível e a coloração natural surge com mais força, construindo-se um notável universo de formas e cores, com algumas inserções geométricas claramente aproximando-se da “linguagem pessoal”. A chegada a pintura é natural (o artista presente), apresentando o caminho, o qual posso chamar e afirmar … “vocabulário, estilo, linguagem”.

Com essa formação, “NC” realizou inúmeras exposições coletivas e individuais no Brasil e Exterior, propondo o universo colorista como caminho a ser seguido.

Domingos de Lucca Júnior – Jornalista

Nos idos dos seus 17 anos, ele me lembrava Gauguin e Van Gogh. Só que não vivia na França. E o Brasil, naquele tempo, vocês sabem como era. Aprendeu traço por traço, cor por cor. Mas sempre fechado. Fechado, mas aberto para o mundo. Uma explosão de amor pela natureza, pelas criaturas. E aí está o resultado completo de um intenso amor pela vida e pelo mundo.

Italo Cencini Artista plástico 

A minha amizade com Nelson Coletti data desde 1950, quando foi trabalhar no Departamento de Desenho da Folha. Paralelamente ao seu incrível trabalho de cartuns, charges e ilustrações, começou a usar o seu talento para a pintura, retratando paisagens. E assim foi Coletti, até que em 1970 passou a se dedicar exclusivamente ao seu grande amor – a pintura. E aí está o resultado.

Aldemir Martins Artista plástico

Foi na roda artística do Museu de Arte Moderna que acabei conhecendo Nelson Coletti. De lá para cá minha admiração por este amigo só vem crescendo. A cada exposição que realiza, mais fica evidenciado o talento de uma obra alegre e contagiante, que só mesmo Coletti pode pintar. Dele só espero mais pintura e arte.

Ottaviano De Fiore Editor

O salto de Nelson Coletti, do seu naturalismo sabidamente ingênuo para este construtivismo (também aparentemente ingênuo) é um salto de qualidade – análogo àquele que fizeram um dia os pintores do Grupo Santa Helena. Textura com sabor e estrutura de ressonâncias – uma área colorida rebatendo na outra e criando um movimento fragmentário perpétuo – algo entre o caleidoscópio e o jogo de armar. Coletti ficou mais sábio no caminho de Volpi, Bonadei e outros que, num momento de sua evolução, também quiseram que sua pintura fosse mais pintura e menos natureza.

Ferreira Gullar – Escritor

Os quadros de Nelson Coletti apresentam um apurado senso de harmonia cromática e da composição.

Renato Petri, Jornalista  

Tudo bem, concordo: realmente o Nelson Coletti tem alguma coisa a ver com o Grupo Santa Helena, do qual participaram Volpi, Bonadei, Mario Zanini e Rebolo, entre outros. As composições e as cores puras.  As paisagens serenas. Sem dúvida, tudo o que foi dito sobre os trabalhos de Coletti – sejam pinturas, desenhos e aquarelas – é verdadeiro. É verdade também a sua larga experiência de chargista e cartunista em jornais da cidade, em especial a Folha de S. Paulo, onde ele usufruiu da amizade e do incentivo de Italo Cencini, um artista consagrado. Contudo, tenho algo mais a dizer: concentrando-me numa das fases da obra de Coletti, diante de árvores violentamente coloridas, identifiquei a sua forte influência, ainda que inconscientemente, dos FAUVISTAS, artistas que se “infiltraram” entre os impressionistas do começo do século passado.

Lourenço Diaféria – Escritor

Para quem não é um frequentador de galerias de arte e muito menos tem qualquer pretensão de ser apresentador de catálogos de exposição de pintura, deve explicar o que estou fazendo aqui. O Coletti, ainda que disfarçado sob essas barbas, é aquele jovem que gostava de trocar ideias e opiniões nas manhãs rotineiras do jornal, na hora de fazer legendas (quase sempre desnecessárias) para suas charges e ilustrações. Faz tempo. É desse tempo que eu me lembro de suas figuras de homens e mulheres com dedos e narizes longos, pernas finas sustentando corpos desmesurados, caricaturas dramáticas e simultaneamente bem-humoradas que eram extraídas das mesas dos bares, das esquinas, dos umbrais, dos gabinetes e, sempre, do cotidiano. Uma dessas figuras como que feita de gravetos assumiu, na postura de um pensador do Bexiga ou bairro paralelo, um de seus primeiros quadros – no sentido de peça feita para pendurar-se na parede. Era um bico de pena, nanquim preto, sobre tela de gesso. Digo era porque essa obra foi minha e podia ser uma raridade (e até motivo de jactância de minha parte) se um elementar desastre caseiro não a tivesse destruído irremediavelmente. Também faz tempo. Nunca contei o fato ao Coletti por dois motivos: o primeiro é que ele não merecia a má notícia. O segundo é que, apesar de desaparecido, o homem que habita a tela continua inquilino de minha memória, da mesma forma como é possível enxergar os amarelos de Van Gogh ainda que num quarto escuro. Como o Coletti é, por natureza, o pássaro de uma ilha distante, somente sua, que ele criou no oceano de pedra da cidade, passou a ser mais fácil imaginá-lo do que encontrá-lo. Nesse período de distanciamento, ele aproveitou para traçar o rumo do seu voo. E agora descubro: quanto mais longe foi, mais perto de nós ficou. Se derramou de amores pela paisagem urbana com seus postes solitários, seus telhados assimétricos, suas árvores festivas – e aquelas pessoas que caminham como que falando consigo mesmas. Mas chega também com a nostalgia dos horizontes montanhosos. Afinal quem não comeu pitanga quando criança? Não quero fazer rima, que pode até pegar mal. Mas nos óleos e nas aquarelas de Nelson Coletti amor é sinônimo de cor. Ou vice-versa. Quanta cor, quanta paixão – e quanta ternura do mais puro quilate se surpreende em seus arrabaldes e em suas avenidas asfaltadas.

Luiz Munari – Professor-doutor da disciplina de História da Arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

Numa época em que se fazem instalações e acontecimentos plásticos, pintar é estar preso no espaço e não contemplar o tempo. Ilusão, a pintura, essencialmente espacial, sempre contemplou Cronos, nunca de forma direta, mas sempre figurada, alusiva e metafórica. A pintura, agora não é mais pintura é manifestação plástica. Outra ilusão, que leva apressados modernos a buscarem no tempo uma manifestação do novo; incessante e infrutífera busca, que desnuda o afã de contemporaneidade, usando de forma primitiva as vantagens do tempo. Melhor fizeram os barrocos, que, recorrendo à retórica, criaram a eloquência pictórica. Fazer pintura é atentar contra a mídia, a média e a módica condição cultural daqueles que espalham artes: teatro encenado em que o ator é também espectador, devendo contribuir para o acontecimento.
Coletti faz pintura com telas e tintas, um acontecimento que carrega do tempo a fatura e se evidencia em espaço geometrizado. Não impõe a arena do contemporâneo, nem o circo da instalação. Colore superfícies sem escolas, em que estilos e motivos são citados em lugares e figuras: movimentando a cor e retendo a forma. Enraiza ocres e sépias, ergue brancos e amarelos, desdobra verdes e vermelhos, encastelando em azuis profundos cenários, sendas e sequências, retomando um pitoresco. Alegres e irônicas, estas pinturas exibem em cores terras a saga da invenção. Não pretende inventar linguagens e, sabendo que elas limitam a produção, alegra a tela com módulos corados, indicando para o olhar a satisfação da cor, plena e justificada. Veste em suas pinturas cores, que bit algum esgota, do mesmo modo linguagem alguma dá conta do afã que produz esta pintura. O humor esconde um ideal espacial que sobrepassa descrições e nisto desafia textos, pois a forma exterior indica, mas não esgota o ideário produtor.
Pintar para Coletti é mais do que produzir linguagens, é instaurar em formas e cores o pensamento, que não se esgota em nada. E as linguagens, identificadas ou não aí, são apenas vestígios do ideal que as produz, que serão aos poucos descobertas no decorrer do tempo. Aí, sim, a função de Cronos.